Carta para a mãe do meu enteado
- Liliane Sanches
- 19 de out. de 2016
- 4 min de leitura

Olá, sei que sou a última pessoa com quem você gostaria de conversar. Nossos primeiros momentos não foram dos melhores e tivemos lá os nossos conflitos. Eu sinto muito por isso, gostaria que não precisássemos sofrer com as desavenças. Eu quero te dizer algumas coisas.
Sei que não é fácil terminar um relacionamento, em especial quando envolve os filhos. Sei que você desejou muito continuar com sua família toda na mesma casa. Sei que ir embora deve ter sido um dos momentos mais delicados pelos quais você já teve que passar. E apesar de não ser a responsável pela sua dor, eu me coloco em seu lugar e sinceramente sinto muito. Mas quando o amor acaba para um dos lados, quando as brigas são constantes, quando o ciúme prevalece e os momentos bons já não são tão frequentes, é melhor que cada um siga o seu caminho.
E por falar em caminho, eu encontrei no meu o pai do seu filho. Não desejo em hipótese nenhuma me glorificar por isso em cima de você. Mas nós dois estamos construindo algo bom, que fez sentido para nós. Isso nunca vai fazer dele alguém menos importante para você, eu sei, afinal ele é o pai do seu filho, e eu aprendi a lidar com isso. Eu respeito isso. Em meio a todos os nossos embaraços existe uma única pessoa que não merece sofrer com isso, que é exatamente a sua criança. Ela não teve culpa nenhuma na separação de vocês. Esse é um problema para os adultos.
Eu queria que você soubesse que, acima de todas as coisas, eu me coloco no lugar do seu filho. E me enche de medo pensar que algum dia seria capaz de fazê-lo sofrer. Não, eu não quero que ele sofra. Ao contrário disso! Eu me apaixonei pela risadinha manhosa que ele tem, me apaixonei pela inteligência e pela esperteza dele. Me comovi com o medo do escuro, o medo de água, o medo de cachorro. Me comovi tanto que logo tomei a iniciativa de ajuda-lo com tudo isso. Mas eu nunca, NUNCA, me colocarei entre vocês dois.
Eu nunca vou insinuar nada que suje a sua imagem para ele. Da minha boca nunca sairá uma palavra maldosa a seu respeito. Do que depender de mim, sempre será claro para ele qual é o meu lugar, que não é o de mãe biológica. De mim, ele terá todo o amor do mundo, porque eu realmente o amo, mas você é a mãe. Foi você que cuidou dele desde o útero. Foi para você que ele olhou quando os olhinhos de recém-nascido se desgrudaram. Foi você quem deixou de dormir várias noites, preocupada com o bem-estar dele. Foi você que se emocionou quando ele aprendeu a falar “mamãe” ou “papai”, e todo o repertório de palavras que vieram depois disso. Eu sei que cheguei muito tempo depois. E não seria justo desmerecer todas as suas lembranças.
Quando eu entrei na vida dele, ele ficou meio confuso, é verdade. Foi tudo muito novo para ele. Com muita paciência e com muito cuidado, eu e o pai dele explicamos quem eu era e porque estava ali. No meu caso, tive sorte. Vocês dois fizeram um trabalho lindo educando esse filho. Ele logo aceitou a novidade e nos tornamos muito próximos.
Na nossa casa, eu fiz questão de preparar um quartinho só para ele, com os brinquedos favoritos, livros, roupa de cama dos personagens que ele adora e muitas coisas legais. Deixei que ele colocasse a assinatura dele ali, decorando com alguns adesivos que ele gostava. Quando ele abriu a porta do quarto, foi emocionante ver sua expressão de alegria e surpresa. Sentamos todos juntos e deixamos claro que ali era o espaço dele, somente dele. Expliquei que ele agora tinha duas casas: a da mamãe e a do papai. E que ele seria muito amado em todos os lugares. No novo prédio ele fez amiguinhos, e logo aprendeu a se virar com eles.
Hoje eu sei que ele se sente à vontade aqui, e te agradeço por não ter interferido nisso nem por um segundo. Eu entendo que se ele está feliz aqui é porque você não usou palavras ruins a meu respeito, nem me colocou num lugar perverso. O respeito que você teve por mim foi muito importante para o desenvolvimento emocional do seu filho nessa situação toda, e eu sou muito grata por isso.
Não vejo em você uma inimiga em razão do que viveu com o meu marido, isso já foi há muito tempo, e meu desejo é que vocês mantenham um bom relacionamento quando o assunto é o filho de vocês. Nisso vocês terão todo o meu apoio.
Quando olho para essa criança, sou envolvida por uma paz sem limites, um amor que transborda. Quando eu o encontro doente, passo as noites em claro observando os sinais de seu corpo, para que não adoeça mais. Quando o escuto chorar, me ajoelho e o abraço antes de fazer qualquer pergunta. Quando sinto necessidade, eu explico algumas coisas erradas que ele faz, mas não com a intenção de puni-lo, e sim de educa-lo. A todo momento estou o lembrando de como vocês, mãe e pai, dão a vida por ele. A todo momento, eu o lembro de como ele é amado por vocês e por mim também.
Eu só queria te dizer que você tem em mim uma aliada. Não precisamos ser amigas, mas o respeito é fundamental. Se nos respeitarmos como devemos, tenho certeza que evitaremos o sofrimento do seu filho nesse sentido. Ele não será obrigado a escolher nenhum dos lados, ele saberá que pode contar com o colo de mãe e pai o tempo todo, além de ter uma pessoa a mais que o ama e que se preocupa com ele. Se nós nos respeitarmos, eu sei que alcançaremos o melhor para ele.
Obrigada por não me pintar de vilã, porque eu não sou. Obrigada por colocar no mundo uma criança tão especial que é o seu filho. Obrigada pela sua escolha de ser mãe. Obrigada por ser maravilhosa com ele. Obrigada por entender o meu lado.
Atenciosamente,
MADRASTA.
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